terça-feira, 26 de junho de 2012

Processo Civil - Teoria Geral do Processo Cautelar



O processo cautelar, ao contrário dos processos de conhecimento e de execução, não possui caráter satisfativo, e sim acautelatório. Este é instrumento de garantia dos demais processos, na medida da demora na satisfação do direito por meio do processo de conhecimento seguido da execução.
Por essa natureza, o processo cautelar é sempre dependente do processo principal: o indeferimento da medida cautelar em nada obsta a que a parte intente o processo de conhecimento, no entanto, a improcedência do pedido na ação principal impossibilita a concessão da medida cautelar.
O Código de Processo Civil elenca a partir do artigo 813 as medidas cautelares nominadas, hipótese em que, cabendo uma dessas medidas, a parte não pode interpor provimento cautelar diverso. No entanto, não havendo medida cautelar típica, o requerente poderá invocar o poder geral de cautela do juiz, com as chamadas medidas cautelares inominadas.
Além das condições comuns a qualquer ação, como a possibilidade jurídica do pedido, o interesse processual e a legitimidade das partes, o provimento da medida cautelar ainda requer dois requisitos: o fumus boni iuris e o periculum in mora.
O fumus boni iuris, ou fumaça do bom direito, é a possibilidade da existência concreta do direito afirmado pelo requerente. É obtido através da cognição sumária, com a mera probabilidade do direito. Já o periculum in mora, ou perigo da demora, se baseia no o fundado receio de que o direito do requerente sofra dano irreparável ou de difícil reparação.
As medidas cautelares possuem características peculiares, que as distinguem das demais espécies de provimento jurisdicionais. Alguns desses requisitos são: instrumentalidade, uma vez que o processo cautelar tem por escopo garantir a efetividade do processo do qual depende; provisoriedade, visto que a medida cautelar não se reveste de caráter definitivo; revogabilidade, por se tratar de provimento emergencial, bastando a não existência do fumus boni iuris ou a cessação do periculum in mora para que a medida cautelar seja revogada; autonomia, pois goza de autonomia técnica em relação ao processo principal; e fungibilidade, uma vez que a medida cautelar pode ser substituída, de oficio ou a requerimento da parte, por prestação de caução ou outra garantia menos gravosa para o requerido, desde que seja suficiente para afastar o dano ou repará-lo integralmente.
Tanto o autor quanto o réu do processo principal podem requerer medida cautelar, bastando demonstrar a fumaça do bom direito e o perigo da demora. O critério para fixação da competência para a ação cautelar é funcional, sendo requeridas ao juiz da causa e, sendo preparatórias, ao juiz competente para conhecer da ação principal.
Há a possibilidade, ainda que excepcional, de o juiz determinar a medida cautelar ex officio, isto é, sem audiência das partes, mas apenas quando expressamente autorizado por lei e já houver processo em curso.
O Código contempla um procedimento comum a ser seguido pelas medidas cautelares inominadas: também no processo cautelar, a relação processual se inicia com a petição inicial, que obedecerá aos mesmos requisitos do artigo 282 do Código de Processo Civil.
Seja qual for o procedimento cautelar, o requerido será sempre citado para apresentar resposta no prazo de cinco dias. No entanto, havendo pedido liminar, cabe ao juiz apreciá-lo antes de determinar a citação do requerido e conceder a liminar sem ouvi-lo. Nessa hipótese, pode ainda o magistrado exigir do requerente a prestação de caução real ou fidejussória.
A sentença que concede medida cautelar desafia recurso de apelação, com efeito meramente devolutivo. Como no processo cautelar a sentença não possui efeito declaratório, condenatório ou constitutivo de direito, não se pode falar em coisa julgada material, mas apenas formal.
As medidas cautelares podem ser revogadas ou modificadas a qualquer tempo, bastando o juiz entender não se fazer mais necessária a sua eficácia. O não ajuizamento da ação principal no prazo de 30 dias contados da data da efetivação da medida também faz cessar os efeitos da cautelar.
Todavia, nem sempre extinção do processo torna sem efeito a medida cautelar: quando a sentença de mérito é favorável à parte que obteve a medida, seus efeitos permanecem enquanto forem úteis.
A lei trata ainda da responsabilidade civil do requerente pelos prejuízos causados ao requerido em razão da medida cautelar, quando demonstrada a responsabilidade objetiva e a culpa do agente.
A admissibilidade da intervenção de terceiros no processo cautelar depende do objetivo visado pelo terceiro: oposição e o chamamento ao processo são totalmente incompatíveis com o processo cautelar; a denunciação à lide só é admitida no processo cautelar se cabível no processo principal; e por fim, a assistência, a nomeação à autoria e o recurso de terceiro prejudicado são aceitos no processo cautelar.


Procedimentos Cautelares Específicos

O Código de Processo Civil cuida entre os artigos 813 a 889 de elencar as chamadas medidas cautelares nominadas, que são aquelas que possuem expressa previsão legal.

Arresto

A primeira dessas medidas é o arresto, que é a apreensão de bem com a finalidade de garantir futura execução por quantia certa. Distingue-se da penhora, pois não constitui ato do processo de execução, mas medida acautelatória que antecede esta. Mas tal como a penhora, o arresto apreende e individualiza bens indeterminados sobre os quais incidirão a execução. O alcance do arresto é o limite do valor para satisfação do crédito a ser executado.
Como medida cautelar, o arresto demanda os requisitos do fumus boni iuris e o periculum in mora. No caso do arresto, o fumus boni iuris corresponde ao direito à execução do crédito: para comprovar esse direito, o legitimado para a ação cautelar deverá apresentar o título executivo, ainda que não exigível.
O periculum in mora diz respeito ao receio de fuga ou insolvência do devedor, da ocultação ou dilapidação do seu patrimônio ou qualquer outro artifício para fraudar a execução.
A execução do arresto segue subsidiariamente as regras dos artigos 802 e 803 do CPC. Uma vez concedido, deve ser executado no prazo de trinta dias, sob pena de perda de sua eficácia.
O primeiro efeito do arresto é a afetação do bem apreendido, e a consequente perda da posse direta do requerido sobre este. Os efeitos do arresto cessam com a execução, quando este é então convertido em penhora.

Sequestro

O sequestro é outra medida nominada prevista no Código de Processo Civil. Consiste na apreensão de um bem determinado, objeto de litígio, a fim de assegurar sua entrega ao vencedor da ação, por ocasião da execução. Ao contrário do arresto, o sequestro pode ser preparatório ou incidente, mas assim como aquele, possui os mesmo requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora.
Podem ser objeto de sequestro bens móveis, imóveis e semoventes, sejam penhoráveis ou não. Pessoas não são objeto de sequestro, e sim de depósito, guarda judicial, busca e apreensão ou posse provisória. Enquanto o arresto se fundamenta na prova literal do direito sobre o bem, o sequestro se baseia na dúvida sobre a quem pertence o direito sobre o bem.


Caução

A caução, que pode ser real ou fidejussória, não visa garantir a eficácia de outro processo, mas sim de tutelar direito material, é outra medida cautelar nominada no CPC. Ocorre nas hipóteses de substituição de um procedimento cautelar anteriormente concedido ou como contracautela nas medidas liminares. Nos dois casos, pode ser deferidas de ofício e não dependem de um procedimento cautelar específico.

Busca e Apreensão

A expressão busca e apreensão denomina vários institutos processuais distintos: há a busca e apreensão como meio executivo para entrega de coisa, a busca e apreensão como ação principal, e a busca e apreensão com a finalidade de consolidar a posse e o domínio adquiridos pelo credor fiduciário. Essas espécies não possuem natureza de medida cautelar, uma vez que tratam de ações autônomas, de cunho satisfativo: nos interessa a busca e apreensão cautelar, regulada entre os artigos 839 e 843 do CPC, e que visa garantir a efetividade de outro processo.
A busca e apreensão cautelar é medida residual, nas hipóteses em que não sejam cabíveis arresto ou sequestro. São objeto da busca e apreensão bens móveis ou pessoas, mas nesse segundo caso, somente aquelas que estão sujeitas à guarda, como os menores e os interditos.
Quanto aos demais aspectos, a busca e apreensão não diferencia das outras medidas cautelares, inclusive quanto aos pressupostos específicos da fumaça do bom direito e do perigo da demora. Pode ser deferida liminarmente e em caráter preparatório ou incidente.


Exibição

A medida cautelar de exibição visa expor, apresentar coisa móvel, documento ou escrituração comercial. Não priva o requerido da posse do bem exibido, mas proporciona ao requerente o contato visual com a coisa.
O CPC trata do tema sobre três enfoques: a exibição como objeto de ação autônoma destina-se a satisfazer direito material, protegido em lei ou contrato; a exibição como incidente da fase probatória decorre do dever que têm as partes e terceiros de cooperar com a justiça; e por fim, a exibição como ação cautelar preparatória que serve como instrumento a processo futuro. Nesse último caso, o requerente tem acesso a elementos fáticos que lhe permitirão formar um juízo acerca do direito material que julga possuir, a fim de que possa exercê-lo com maior segurança.
A ação cautelar de exibição só é admitida como preparatória da ação principal, de modo que, uma vez ajuizada a ação principal, desaparece o interesse processual à ação cautelar exibitória.

Produção Antecipada de Provas

A medida cautelar de produção antecipada de provas é cabível sempre antes da propositura da ação principal, quando, em razão da demora em se chegar à fase probatória, houver perigo de perecimento dessa prova. O Código de Processo Civil elenca três meios de prova que admitem a produção antecipada: o interrogatório da parte, a inquirição de testemunhas e o exame pericial.
O deferimento desta medida se subordina à comprovação da plausibilidade do direito a ser discutido no processo principal (fumus boni iuris) e do perigo de impossibilidade de produzir a prova no momento oportuno (periculum in mora).
A antecipação de prova geralmente se faz posterior à citação da parte contrária, mas o juiz pode conceder liminarmente, com ou sem justificação prévia. O deferimento da medida previne a competência do juiz para a ação principal.
Se a prova a ser produzida for oral o juiz, ao despachar a inicial, designará audiência para inquisição da testemunha ou interrogatório da parte. Tratando-se de exame pericial, no despacho da inicial nomeará perito, determinando a citação do réu para, em cinco dias, indicar seu assistente técnico.

Alimentos Provisionais

A medida cautelar de alimentos provisionais consiste no pagamento, por parte do requerido, de importância destinada a suprir as necessidades do requerente. Pode ser concedida no curso da ação principal, como antecipação do provimento jurisdicional pleiteado pela parte, hipótese em que dispensará a instauração de processo cautelar. Geralmente é proposta nas ações de separação judicial, anulação de casamento, ações de alimentos e investigação de paternidade.
Há circunstâncias em que a parte pode necessitar dos alimentos provisionais antes da propositura da ação de conhecimento, onde será cabível pleitear ação cautelar, desde que demonstrados suficientemente o fumus boni iuris e o periculum in mora.

Arrolamento de Bens

O arrolamento de bens é medida cautelar que tem por finalidade conservar bens sobre os quais incide o interesse do requerente. Tal conservação se dá com a listagem dos bens e seu depósito, que pode recair sobre a pessoa do possuidor.
Distingue-se do arresto e do sequestro, uma vez que ao contrário daqueles, o arrolamento recai sobre bens indeterminados, não litigiosos, com o exclusivo intuito de conservá-los, até a partilha ou a resolução da demanda relacionada a eles.
Para ser concedida a medida, é necessário que a parte demonstre o interesse na conservação dos bens (fumus boni iuris) e o fundado receio de extravio ou dissipação (periculum in mora): o interesse do requerente pode resultar de direito já constituído ou que deva ser declarado através de ação própria.

Justificação

A justificação é a medida de coleta de depoimentos de testemunhas, sem caráter contencioso, com a finalidade de reuni-los para servir ou não de prova em processo contencioso. Por se tratar de procedimento absolutamente autônomo, seu deferimento não reclama a existência de periculum in mora, bastando ao interessado demonstrar seu interesse.
É necessária a citação dos interessados e, por se tratar de procedimento de jurisdição voluntária, parte da doutrina entende também ser indispensável a intervenção do Ministério Público. Não há oportunidade para defesa, cabendo ao interessado apenas acompanhar a justificação.

Protestos, Notificações e Interpelações

Os protestos, notificações e interpelações são manifestações formais de comunicação da vontade, com o intuito de prevenir responsabilidades ou prover a conservação ou ressalva de direito. Assim como a justificação, não possuem natureza cautelar, uma vez que não prestam cautela a processo algum, tratando-se, na verdade, de procedimentos de jurisdição voluntária.
Homologação do Penhor Legal

Homologação do penhor legal consiste na medida cautelar que visa completar o procedimento do penhor, a requerimento da parte, para que o devedor seja citado para pagar o que é devido ou apresentar defesa.
Tendo ocorrido a homologação do penhor, serão os autos entregues ao requerente; não sendo homologado, o objeto será entregue ao devedor. As hipóteses em que se admite o penhor legal estão elencadas no artigo 1467 do Código Civil.

Posse em Nome do Nascituro

A medida cautelar de posse em nome do nascituro tem por finalidade garantir o direito do nascituro, respeitando a disposição do artigo 2º do Código Civil, que põe a salvo os direitos do nascituro. Na hipótese da mãe necessitar garantir os direitos do filho nascituro, esta requererá ao juiz que, após ouvido o Ministério Público, processará o feito.
A petição será acompanhada da certidão de óbito de quem o nascituro é sucessor. É dispensada a aceitação por parte dos outros herdeiros do falecido, de modo a não haver prejuízos aos direitos do nascituro. O juiz então declarará a mãe investida na posse dos bens destinados ao nascituro.

Atentado

Denomina-se atentado a medida cautelar que tem por fim reestabelecer o estado de fato da lide, motivada por ato de uma das partes no curso do processo. O CPC elenca três hipóteses que ensejam o ajuizamento da ação cautelar de atentado: a violação da penhora, arresto, sequestro e imissão de posse; o prosseguimento em obra embargada; e a prática de qualquer outra inovação ilegal.
A ação de atentado será processada e julgada pelo juiz que conheceu originariamente da causa principal, ainda que esta se encontre no tribunal. A sentença que julgar procedente a ação ordenará o restabelecimento do estado anterior, e poderá condenar o réu a ressarcir à parte lesada às perdas e danos.

Protesto e Apreensão de Títulos

Denomina-se protesto a medida extrajudicial cuja finalidade é garantir ou acautelar direitos cambiários. Não se trata propriamente de medida cautelar, porquanto não possui natureza judicial.
Dá-se com a apresentação do título para protesto ao oficial que, após verificar a validade formal do título, manda intimar o devedor para que este efetive o pagamento no prazo estipulado por lei.
A intervenção judicial se dá apenas quando o oficial opõe dúvidas ou dificuldades à tomada do protesto ou à entrega do respectivo instrumento. Nessa hipótese, pode o interessado requerer ao juiz que, depois de ouvir o oficial, determine o protesto.
Por fim, o fato de o Código listar esse rol de medidas específicas não veda a concessão de outras providências inominadas, com base no poder geral de cautela concedido ao juiz pelo artigo 798.



Referências

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil - Vol. 3. Misael Montenegro Filho. 6ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010.
NUNES, Epídio Donizetti. Curso Didático de Direito Processual Civil. Epídio Donizetti Nunes. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

Manifesto Contra o Movimento "Cura Gay"



Um projeto recente da bancada evangélica no congresso propõe a elaboração de uma lei que autorize o financiamento por parte do SUS de um “tratamento” para a cura dos homossexuais.
Muito me surpreende tal ideia, afinal, em pleno século XXI, em que acreditamos ter superado os mais nefastos comportamentos humanos, de um passado maculado pelo preconceito, pela intolerância, da incapacidade de aceitar diferenças, e muito me assusta ver que ainda há pessoas que, assim como os nazistas no século passado, acreditam poder eleger determinados comportamentos como inaceitáveis.
Dirijo essa critica sobretudo à bancada evangélica do congresso, afinal, nada mais triste e até mesmo nojento, repulsivo, do que a incapacidade de certos indivíduos de aceitarem e conviverem pacificamente com aqueles que lhes são estranhos.
Seria o homossexualismo uma doença, um mal a ser combatido, senão por simples preconceito e imposição religiosa? Não seria a ignorância, o preconceito males maiores, e esses sim dignos de serem combatidos?
O homossexualismo é uma escolha, que cabe e só diz respeito ao próprio indivíduo. Os homossexuais não querem, nem devem ser curados. Se há algo digno de cura é o fanatismo religioso, que reina absoluto entre pessoas ignorantes, que justificam seus preconceitos em ensinamentos religiosos quase sempre deturpados por mentes doentias. Foi assim com o movimento ariano, do nazismo alemão, que, em uma mobilização nacional, exterminou milhões de pessoas, simplesmente por se acreditarem superiores e senhores do destino da humanidade.
A bancada evangélica no congresso vem representando fidedignamente o que religião vem se tornando no Brasil: partido político, onde a vontade emana de um soberano, é imposta aos seus seguidores e executada por gente de mente pequena, disposta a aceitar tudo de forma automática, sem pensar nas consequências e no próprio valor moral por trás de tais atos.
O próprio Jesus cristo pregava a tolerância e a convivência pacifica entre os povos. Mas o que fazem tais líderes, dotados de discursos preconceituosos e certo poder persuasivo: convencem seus seguidores de que aquilo deve ser combatido, e como hipócritas, contradizem os próprios ensinamentos que dizem ser a base de suas vidas.
Até me lembrei do clássico filme Larânja Mecânica, do célebre Stanley Kubrick, que já em 1971 alertava para o crescente movimento que propunha a castração química de criminosos nos Estados Unidos e em alguns países da europa.
Agora eu me pergunto: será que a gente elege um deputado ou um senador para desperdiçar tempo e dinheiro discutindo a possibilidade de tamanho absurdo? Justo num país em que, apesar do recente progresso, ainda se vê ameaçado pelos fantasmas da fome e do desemprego?
Estamos diante de um grande perigo à democracia, em que uma ditadura ameaça se formar, agora de forma até mais violenta, onde o respeito à dignidade humana e à liberdade individual estão prestes a serem tolhidas, e sob o argumento único da “vontade de deus”.
E nesse dia, tamanha será a ignorância que alcançaremos que o mundo se tornará cinza, e a humanidade dará um imenso passo para trás, de volta à idade média, à idade das trevas!

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Artigo - O Fim Social do Dano Moral e a Vedação do Enriquecimento sem Causa

 
É cediço que nos últimos anos a concessão de indenização por danos morais vem se tornando uma prática comum nos tribunais, ameaçando a segurança jurídica e levando à banalização deste instituto. A chamada “indústria do dano moral” que se consolidou na maioria das ações em que figuram ilícitos civis vem confundindo o conceito de dano com o que se costuma tratar como mero aborrecimento.

A Constituição Federal de 1988, celebrada pela doutrina como Constituição Cidadã, garante a ampla reparação aos danos causados à imagem e à honra da pessoa, face principalmente ao princípio da dignidade da pessoa humana. No entanto, essa mesma Constituição determina que a lei deverá sempre buscar alcançar o fim social a que se destina.

Discutir o instituto do dano moral é, antes de tudo, de suma importância acadêmica, assim como para o ordenamento pátrio. Ao estabelecer a garantia da ampla reparação aos danos sofridos pela pessoa, o legislador quis garantir o princípio da dignidade da pessoa humana, porém, ao conceder liberdade à interpretação subjetiva do que realmente constitui dano moral e sofrimento exacerbado, houve uma explosão no número de ações desse tipo, o que ameaça banalizar o dispositivo legal e propiciar o enriquecimento sem causa, prática vedada pelo nosso ordenamento.

A perspectiva protecionista do direito no ordenamento pátrio não pode beneficiar aventureiros jurídicos que procuram ser reparados a título de danos morais por meros aborrecimentos.

Nos últimos anos, os tribunais de todo o país vêm enfrentando um abarrotamento no andamento dos processos, motivado pelo grande número de ações em tramitação, o que vai de encontro a celeridade processual e gera demasiado atraso no saneamento dessas demandas.A maior parte desses pedidos se resumem a ações de reparação por danos morais, o que estimula cada vez mais a ação de verdadeiros aventureiros jurídicos que formulam pedidos infundados.
A esse respeito, a primeira questão a ser abordada é a garantia ao amplo acesso ao judiciário, direito assegurado constitucionalmente que visa oferecer ao cidadão a tutela jurisdicional por parte do Estado. Dessa forma, não há que se falar em recusar ao cidadão, por mais que o pedido se mostre irrelevante ou mesmo absurdo, o direito a provocar o Estado para julgar aquele litígio.
Fazendo um breve estudo do dano moral, esse encontra suas origens históricas no segundo século antes da era cristã. O Código de Manu, na Índia, a Lei das XII Tábuas e o Código de Hamurabi, na Mesopotâmia ilustram claramente a previsão do direito de reparação da honra ou da imagem do ofendido, embora nem sempre houvesse adequação à sanção aplicada. Dispunha o Código de Hamurabi:
“Art. 127. Se um homem livre estender um dedo contra uma sacerdotisa ou contra a esposa de um outro e não comprovou, arrastarão ele diante do Juiz e raspar-lhe-ão a metade do seu cabelo.”

Com a evolução do direito na cultura moderna, tal garantia foi se moldando às necessidades da sociedade moderna, e logo despertou interesse entre doutrinadores na Itália, na França e na Alemanha. O Código Napoleônico e o BGB alemão também fazem menção ao direito de reparação por danos à honra e à imagem do ofendido, e serviram de base para os demais diplomas em diversos países, inclusive no Brasil.
A primeira referência no ordenamento brasileiro ao direito de reparação por danos morais aparece na Lei 4.117/62 - Código Brasileiro de Telecomunicações, seguida pelo Código Eleitoral (Lei 4.737/65) e a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), que também regularam esse instituto.
A Constituição Federal de 1988 prevê claramente em seu artigo 5º, incisos V e X que é assegurado o direito à reparação dos danos causados à imagem, à honra e à intimidade do ofendido. É assim que dispõe a Constituição Federal:
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
[...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”

Mais tarde, o próprio Código Civil Brasileiro veio complementar o texto constitucional, consolidando o instituto do dano mora no ordenamento pátrio. Dessa forma dispõe o artigo 186 do Código Civil de 2002:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

E conclui o artigo 927 do mesmo diploma:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

No entanto, cabe distinguir o que caracterizaria realmente uma violação à honra e à imagem do indivíduo, uma vez que o legislador procurou não especificar tal conduta de modo a não limitar a interpretação dessa cláusula pétrea. Até quando o dano seria passível de reparação, e como quantificar pecuniariamente a extensão desse dano é o desafio do jurista ao aplicar o direito ao caso concreto e constitui um dos maiores entraves à ordem judicial.
Não basta ter havido um mero aborrecimento, um simples dissabor comum na vida em sociedade. A obrigação de reparação pressupõe a existência de três requisitos, que são a existência do dano, a ocorrência de conduta culposa do agente causador e o nexo de causalidade entre ambos. Sem quaisquer desses pressupostos, não há de se falar em dever de indenizar. É dever do autor comprovar a extensão dos danos sofridos por este e  demonstrar ostensivamente o nexo entre a conduta e a lesão resultante.
Ao tratar da honra subjetiva, o legislador concedeu ampla liberdade ao indivíduo para determinar o que caracteriza uma violação à sua imagem. Sem um critério objetivo, pois, o mero aborrecimento pode ser comumente confundido com o dano moral, afinal, o que é sofrimento para alguns pode não ser para outros. Essa liberdade constitui grave ameaça à segurança jurídica.
É dever do legislador tão somente avaliar o pedido formulado pelo autor na ação e, com base nos fatos apresentados por este, avaliar a existência do ilícito, sua relevância, a natureza do dano e outros critérios para só então conceder o valor a título indenizatório. Mas é aí que surge outra questão que merece ser discutida: como a honra e a imagem podem ser valoradas, e como o sofrimento pode ser reparado com o pagamento de certa quantia?
No dizer de Silvio Rodrigues: “O dinheiro provocará na vítima uma sensação de prazer, de desafogo, que visa compensar a dor, provocada pelo ato ilícito.” Essa é apenas um dos objetivos da condenação por danos morais, como bem complementa Rizzato Nunes:
“Seu objetivo é duplo: satisfativo-punitivo. Por um lado, a paga em pecúnia deverá amenizar a dor sentida. Em contrapartida, deverá também a indenização servir como castigo ao ofensor, causador do dano, incutindo-lhe um impacto tal, suficiente para dissuadi-lo de um novo atentado.”

Ou seja, com a condenação por danos morais, o legislador busca não só amenizar a dor e o constrangimento causado pelo ato ilícito, mas também punir o autor de modo a que este não repita a conduta, porém, não há qualquer garantia efetiva de que a condenação vai amenizar o sofrimento causado na vítima, nem que o autor não vai voltar a cometer o ilícito.
Em muitos casos, mesmo se tratando de situações desagradáveis e que causam certo aborrecimento, não se vislumbra efetivamente um dano considerável à honra ou à imagem, o que não justificaria qualquer espécie de indenização, apenas reforçando o entendimento de que o dano moral se tornou nada mais que uma via de enriquecimento sem causa.
A ação por danos morais é garantia constitucional e, como tal, deve ser resguardada daqueles que a utilizam exclusivamente como modo de vingança ou investimento, no fenômeno conhecido como indústria do dano moral. Nesses casos, é fundamental o esforço por parte dos magistrados em coibir esse tipo de conduta, que ameaça até mesmo a segurança jurídica. Foi o que fez com louvor o Juiz Luiz Gustavo Giuntini de Rezende, em decisão acerca de pedido de indenização por danos morais:
“Despacho proferido
434.01.2011.000327-2/000000-000 - nº ordem 60/2011 - Reparação de Danos (em geral) - - R. P. S. X BANCO DO BRASIL S/A - Vistos.
R. P. S. propôs ação de indenização por danos morais em face de Banco do Brasil S/A. O relatório é dispensado por lei. Decido. O pedido é improcedente. O autor quer dinheiro fácil. Foi impedido de entrar na agência bancária do requerido por conta do travamento da porta giratória que conta com detector de metais. Apenas por isto se disse lesado em sua moral, posto que colocado em situação "de vexame e constrangimento" (vide fls. 02).
Em nenhum momento disse que foi ofendido, chamado de ladrão ou qualquer coisa que o valha. O que o ofendeu foi o simples fato de ter sido barrado — ainda que por quatro vezes — na porta giratória que visa dar segurança a todos os consumidores da agência bancária. Ora, o autor não tem condição de viver em sociedade. Está com a sensibilidade exagerada. Deveria se enclausurar em casa ou em uma redoma de vidro, posto que viver sem alguns aborrecimentos é algo impossível.
Em um momento em que vemos que um jovem enlouquecido atira contra adolescentes em uma escola do Rio de Janeiro, matando mais de uma dezena deles no momento que freqüentavam as aulas (fato notório e ocorrido no dia 07/04/2011) é até constrangedor que o autor se sinta em situação de vexame por não ter conseguido entrar na agência bancária. Ao autor caberá olhar para o lado e aprender o que é um verdadeiro sofrimento, uma dor de verdade. E quanto ao dinheiro, que siga a velha e tradicional fórmula do trabalho para consegui-lo.
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido. Sem custas e honorários advocatícios nesta fase.
Pedregulho, 08 de abril de 2011.
Luiz Gustavo Giuntini de Rezende - Juiz de Direito.”

De outra forma, esse direito tende a cair em descrédito pela sociedade, sendo tratado apenas como um meio de obter vantagens financeiras em detrimento de meros aborrecimentos, por pessoas inescrupulosas que se aproveitam do benefício da justiça gratuita. A situação é tão crítica, que o próprio STJ já se pronunciou no sentido de realizar um tabelamento para a uniformização das decisões, bem como dos valores a serem concedidos a título indenizatório.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, República Federativa do. Constituição Federal de 1988. Vade Mecum Acadêmico de Direito. Organização Anne Joyce Angher. 8ª ed. São Paulo: Rideel. 2009.

BRASIL, República Federativa do. Código Civil, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Vade Mecum Acadêmico de Direito. Organização Anne Joyce Angher. 8ª ed. São Paulo: Rideel. 2009.

HAMURABI, Código de. Disponível em: <<http://www.culturabrasil.org/zip/hamurabi.pdf>> Acesso em 05 nov. 2011.

LEIRIA, Cláudio da Silva. Indústria do Dano Moral. Clubjus, Brasília-DF: 16 nov. 2007. Disponível em: <<http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.11730>>. Acesso em: 15 nov. 2011.

NUNES, Luis Antonio Rizzato. in O Dano Moral e sua Interpretação Jurisprudencial, 1999.

RODRIGUES, Sílvio. Responsabilidade Civil, 18ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2000.

SÃO PAULO, Poder Judiciário de – Fórum de Pedregulho/SP.  Processo nº 434.01.2011.000327-2/000000-000. Disponível em <<http://www.pensandodireito.net/2011/05/uma-merecida-resposta-a-industria-do-dano-moral/>> Acesso em 05 Nov. 2011.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Artigo - Infidelidade Virtual e Consequências no Direito de Família


1. RESUMO

O progresso dos meios de comunicação em tempo real resultou no surgimento da internet, e alterou drasticamente a forma como as pessoas se relacionam, dando origem a novas formas de interação entre elas. Cabe ao direito acompanhar essa evolução, tutelando as relações sociais que nascem nos meios virtuais, assim como o faz nos meios tradicionais. Apenas dessa forma, é possível garantir proteção jurídica a essas relações, acompanhando a dinâmica social e protegendo os valores difusos em nosso ordenamento e os princípios presentes na Constituição Federal de 1988.

2. PALAVRAS-CHAVE: Infidelidade – casamento – união estável – internet – direito – família.

3. INTRODUÇÃO

A rápida evolução dos meios de comunicação atuais, encabeçada principalmente pelo surgimento da internet no final dos anos de 1980, abriu novos caminhos rumo a um mundo cada vez mais globalizado, onde a velocidade da informação é fator determinante na automatização da maioria das tarefas modernas, que vão desde simples operações financeiras e da segurança de informações pessoais do usuário até complexos sistemas bancários e de defesa de um país. Hoje o mundo se encontra conectado em uma grande rede, o que possibilita a comunicação quase instantânea entre pessoas de qualquer parte.

4. A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA E O FENÔMENO DA INFIDELIDADE VIRTUAL

Nem todos os efeitos dessa revolução digital, no entanto, são positivos: a disseminação dos chamados crimes virtuais cresceu com a mesma velocidade que a internet, e agora o que preocupa os especialistas em segurança é a complexidade com que esses crimes são cometidos, tornando cada vez mais difícil a identificação dos responsáveis por tais práticas.
Isso se deve, em grande parte, a falsa impressão de anonimato que o uso da internet traz, uma vez que, abrigados em casa ou refugiados em uma lan house, muitos usuários se sentem encorajados a agirem de forma que nunca agiriam se estivessem expostos ao olhar e o julgamento de terceiros.
Apesar de dispor hoje de maiores opções de laser, o homem, forçado pela violência urbana e pelo bombardeio constante de informações, vem procurando na internet novos meios de se socializar. Nas relações comerciais, esta interação pode propiciar negócios lucrativos, e nas relações afetivas, estabelece uma nova forma de contato, onde a atração e o contato físico são substituídos pela troca de segredos e fantasias, dando origem uma nova forma de relacionamento, fenômeno recente advindo da grande revolução operada pelo avanço dos meio informáticos: o namoro virtual.
Muitos relacionamentos nascem hoje dessa forma, através de contatos dentro das chamadas redes sociais, sites que permitem de forma totalmente gratuita a interação entre seus usuários, com trocas de experiências e afinidades, compartilhamento de fotos e outras informações pessoais. Os usuários dessas redes estão livres para escolher quais informações de seu perfil podem ser vistas pelas outras pessoas, e até mesmo para omitir características relevantes a respeito de sua personalidade.
O uso de mensageiros instantâneos é outra forma de comunicação entre internautas, com a vantagem de oferecer mais privacidade aos seus usuários, além de recursos como conversa por videoconferência, troca de mensagens, fotografias e arquivos pessoais.
Estando mais à vontade para interagir, é comum que o indivíduo se envolva com várias pessoas ao mesmo tempo, seja em busca de amizade, relacionamento amoroso, ou simplesmente por prazer. No mundo virtual, ele cria uma personalidade também virtual, um ser ideal em um mundo ideal, construindo uma imagem quase sempre diversa da sua, com o objetivo de causar uma boa impressão, experimentar mudanças de comportamento ou fugir de uma rotina insuportável no mundo real, sem que seja necessário estabelecer qualquer vínculo material com outra pessoa.
Então, é possível que os usuários dessas redes mantenham diversos relacionamentos paralelos sem nenhum compromisso, e até ao mesmo tempo em que se relacionam com outra pessoa no mundo real: é a chamada infidelidade virtual acompanhando a dinâmica dos relacionamentos modernos. Muito interessa no âmbito legal o estudo dessas relações, uma vez que os atos praticados no mundo virtual podem desencadear repercussões jurídicas.

5. VISÃO SOCIOLÓGICA DA INFIDELIDADE

Apesar do caráter histórico patriarcal da família, onde são comuns os casos de infidelidade masculina aceitos pacificamente por suas companheiras, o cenário moderno vem sendo alterado pela gradual equiparação dos sexos, assim como a divisão de responsabilidades, direitos e deveres dos parceiros. Analisando sob a perspectiva sociológica, a infidelidade em um relacionamento, seja ele real ou virtual, é algo inaceitável independente do sexo, uma vez que tal conduta fere uma série de princípios éticos e morais de uma cultura estritamente monogâmica.
O dever de fidelidade no relacionamento deve ser respeitado por ambos os parceiros, e serve para garantir a estabilidade da família e da sociedade como um todo, e constitui um dos fatores mais significativos da evolução racional do homem moderno.
A infidelidade é o rompimento da relação de confiança construída entre duas pessoas em um relacionamento, é o descumprimento de uma norma estabelecida entre os parceiros como prerrogativa de convivência, e em seu sentido mais amplo pode ser considerada uma traição aos princípios mais nobres que sustentam uma relação. A quebra dessa confiança é sempre motivo suficiente para o fim do relacionamento, operado principalmente pela impossibilidade do surgimento de um novo laço de respeito e cumplicidade entre os parceiros.
Vários são os fatores que levam à infidelidade: seja pela incapacidade de manter um compromisso formal com outra pessoa, pela insatisfação em uma relação, pelo prazer em se aventurar e correr riscos e até pela falta de coragem em promover o fim de um relacionamento já desgastado pelo tempo e pela rotina.
No entanto, não existe um critério objetivo para definir o que caracterizaria a infidelidade. É certo que esta ocorre com quebra do dever de fidelidade no relacionamento, porém, esse conceito fornece uma visão muito restrita do tema abordado, mesmo por que a infidelidade é algo quase sempre interpretado subjetivamente pelas partes envolvidas na relação: o que é infidelidade para uma pessoa pode não ser para outra mais que um mero gesto de amizade.

6. ASPECTOS LEGAIS DA INFIDELIDADE VIRTUAL

Os valores do casamento são protegidos pelo Estado através da Constituição Federal, aclamando os princípios da monogamia e do respeito e fidelidade mútuos entre os cônjuges, o que se estende para outras formas de relacionamento como a união estável. Na concepção de Orlando Gomes[1] (1996, p. 55): "O casamento é um relevante instrumento de formação social firmado na sua essência como uma instituição transparente com o propósito de tornar pública e oficialmente reconhecida perante toda a sociedade". Qualquer ato que vise perturbar essa ordem tende a ser interpretado como um atentado a esses princípios.
O dever de fidelidade e respeito recíprocos entre consortes está expressamente previsto no artigo 1566, inciso I do Código Civil de 2002, o que não deixa dúvidas quanto à intenção do legislador em preservar os valores morais e éticos que sustentam a união entre os cônjuges, de forma a garantir até mesmo a segurança da prole, no que se costuma chamar de presunção pater is. Também a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, parágrafo 5°, determina que os direitos e deveres dos cônjuges devem ser exercidos igualmente e sem qualquer distinção ou restrição no desempenho de suas funções.
Falar de infidelidade não remonta necessariamente ao adultério: a infidelidade é gênero do qual o adultério é espécie. Todo adultério é infidelidade, mas nem toda infidelidade pode ser considerada adultério. Segundo a doutrina, o elemento objetivo que caracterizaria o adultério seria a prática do ato sexual, não sendo admitindo outro meio para sua concretização que não pelo contato físico. Como afirma Maria Helena Diniz (2002, p. 228-229)[2]: "O adultério é a infração ao dever recíproco de fidelidade, desde que haja voluntariedade da ação e consumação da cópula carnal propriamente dita".
O artigo 240 do Código Penal Brasileiro qualificava o adultério como conduta criminosa, com previsão de detenção de quinze dias a seis meses. No entanto, não possuindo eficácia na sua aplicabilidade e tendo caído em desuso, tal artigo foi revogado pela Lei n° 11.106/05.
Já a infidelidade virtual pode ser entendida como uma relação erótico-afetiva paralela mantida através de qualquer meio de comunicação moderno, sobretudo em chats, redes sociais e salas de bate-papo na internet.
Uma vez que é impossível a conjunção carnal por meios exclusivamente informáticos, não se admite falar de adultério em um relacionamento virtual, mas sim de infidelidade moral: uma quebra nos laços de confiança e respeito entre parceiros, com a formação de vínculos de afeto e confiança com terceiros estranhos à relação. Contudo, vale ressaltar que um relacionamento iniciado pela internet pode ser apenas o primeiro passo para uma relação que resulte em uma traição no mundo real.

7. REPERCUSSÕES DA INFIDELIDADE VIRTUAL NO DIREITO DE FAMÍLIA

Pela teoria da responsabilidade subjetiva, todo ato da vida civil repercute consequências e gera responsabilidades ao indivíduo. Com efeito, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, incisos V e X dispõem sobre o dever de reparação aos danos causados à honra, ao patrimônio ou à imagem de outrem.
O casamento e a união estável, apesar de serem institutos inclusos no direito de família, possuem natureza contratual, gerando então direitos e deveres recíprocos. Assim, o descumprimento de quaisquer dos deveres conjugais elencados no artigo 1566 do Código Civil e seus incisos, sobretudo o de fidelidade e respeito recíprocos, enquanto requisitos desse contrato, constitui injúria grave, sendo passível de reparação dos danos causados de modo a ressarcir ou compensar o ofendido mediante o pagamento de valor indenizatório. Como afirma a professora Regina Beatriz Santos (1999, p. 184)[3]:

“Aplica-se ao Direito de Família o princípio geral de que diante de ação lesiva é assegurado o direito do ofendido à reparação, o qual inspira a responsabilidade civil e viabiliza a vida em sociedade, com o cumprimento da finalidade do Direito e o restabelecimento da ordem ou equilíbrio pessoal e social. A prática de ato ilícito pelo cônjuge, que descumpre dever conjugal e acarreta dano ao consorte, ensejando a dissolução culposa da sociedade conjugal, gera a responsabilidade civil e impõe a reparação dos prejuízos, com o caráter ressarcitório ou compensatório, consoante o dano seja de ordem material ou moral”.

Apenas com a sentença do divórcio é que as partes exoneram os deveres contraídos com o matrimônio, conforme redação do próprio artigo 1576 do Código Civil. A demonstração de culpa não é mais requisito imprescindível para a dissolução do vínculo conjugal, que pode ser suscitada em simples ação de divórcio por qualquer dos cônjuges.
Porém, é de grande discussão doutrinária a necessidade de sua apuração na aplicação de sanções à parte que deu causa ao divórcio, uma vez que o próprio artigo 1578 do Código Civil prevê a perda do direito de uso do sobrenome de casado ao cônjuge culpado. Assim entende Regina Beatriz Santos (1999, p. 184)[4]:

“Por ser o casamento um contrato, embora especial e de Direito de Família, a responsabilidade civil nas relações conjugais é contratual, de forma que a culpa do infrator emerge do descumprimento do dever assumido, bastando ao ofendido provar a infração e os danos oriundos para que se estabeleça o efeito, que é responsabilidade do faltoso.”

Embora o Código Civil tenha delimitado as sanções aplicáveis ao cônjuge culpado na ação de divórcio, isso não exclui a possibilidade da parte inocente reclamar o dano moral causado por aquele à sua reputação ou à sua imagem.
                           
8. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS NO DIREITO DE FAMÍLIA

O instituto do dano moral prevê a reparação da violação a um direito constitucionalmente garantido. Possui caráter tanto compensatório, na medida em que visa reestabelecer o status quo à parte ofendida, quanto condenatório, uma vez que visa impedir que o ofensor reincida na prática do ato ilícito.
Em um sentido mais amplo, o dano moral é uma dor subjetiva que causa desequilíbrio emocional e psicológico no indivíduo de forma a interferir negativamente em seu bem-estar e perturbar sua vida em sociedade. Entretanto, a subjetividade desse conceito torna difícil definir com precisão a extensão do dano e determinar concisamente, qual o preço do sofrimento de forma pecuniária.
O dano moral não se comprova objetivamente: ele é presumido, mediante análise razoável das circunstâncias que podem ser demonstradas e servem como um importante meio de aferição daquele.
O que há de ser provado, no entanto, é o fato gerador desse dano e o nexo de causalidade entre eles. É de reponsabilidade da parte inocente comprovar os fatos que deram causa à quebra dos deveres conjugais e a consequente ação de indenização por danos morais.
O artigo 332 do Código de Processo Civil dispõe que todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados em lei, são hábeis para apurar veracidade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa.
No caso da infidelidade virtual, os registros de conversas, mensagens, fotografias e vídeos são meios admitidos como prova no processo. O grande problema aqui é que se o cônjuge ou companheiro infiel mantém comunicação virtual através de um computador de uso pessoal e seja necessário qualquer meio de autenticação, senha ou mecanismo de segurança para conhecimento desses dados, o sigilo da informação se torna então inviolável sob a perspectiva legal, não podendo ser acessado sem a autorização expressa de seu titular.
A inviolabilidade da intimidade e da privacidade são garantias constitucionais previstas no artigo 5º, inciso XII da Constituição Federal de 1988. Dessa forma, se afasta a hipótese de uso de informações obtidas por meios ilícitos como prova da infidelidade virtual.

9. CONCLUSÃO

A violação dos deveres do casamento ou da união estável pode ensejar repercussões no mundo jurídico, com aplicação de sanções e penalidades aos responsáveis por tais ilícitos civis. Os meios virtuais tornaram-se ferramenta comum no uso cotidiano da maioria das pessoas, que têm na internet a possibilidade de manter a comunicação com qualquer pessoa, em qualquer lugar e em tempo real. Assim, a internet deu origem a novas formas de relacionamento, e com elas, o surgimento da chamada infidelidade virtual se fez inevitável. O direito já tutela as relações reais, e tende a acompanhar a dinâmica dos relacionamentos modernos pondo-se frente a esses fenômenos e garantindo a devida previsão legal. Nesse diapasão, da mesma forma que a violação dos direitos no mundo real gera sanções de diversas naturezas, assim também deve ocorrer nas relações virtuais. 

10. REFERÊNCIAS

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BRASIL. Código Civil - Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm. Acesso em 16.09.2011.
BRASIL. Constituição Federal da República, de 05 de outubro de 1988. http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_05.10.1988/CON1988.pdf. Acesso em 15.09.2011.
CARLOMAGNO, Fernando. Aspectos Penais e Civis da Infidelidade Virtual. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1788/Aspectos-penais-e-civis-da-infidelidade-virtual. Acesso em 23.08.2011.
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KÜMPEL, Vitor. Infidelidade Virtual. Disponível em: http://jusvi.com/pecas/2313. Acesso em 26.08.2011.
LEÃO, Anderson. Danos Morais na Violação do Dever de Fidelidade Conjugal. Artigonal. http://www.artigonal.com/doutrina-artigos/danos-morais-na-violacao-do-dever-de-fidelidade-conjugal-4914981.html. Acesso em 11.09.2011.
NAMORO na Internet. Jornal da Globo, Rio de Janeiro, 10.08.2004. Disponível em: http://www.jg.globo.com/JGlobo/0,19125,VTJO-2742-20040810-58680,00.html.  Acesso em 10.11.2011.
RODE, Renata. Infidelidade Virtual Pode Ser Considerada Real? Disponível em: http://estilo.uol.com.br/comportamento/ultimas-noticias/2011/01/31/infidelidade-virtual-pode-ser-considerada-real.htm. Acesso em 19.08.2011.
SANTOS, Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos. Reparação Civil na Separação e no Divórcio. São Paulo: Saraiva, 1999.
SANTOS, Simone Moraes dos. Adultério, Traição e Dano Moral. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 936, 25 jan. 2006. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/7871. Acesso em: 25.08.2011.
TARTUCE, Flávio. Infidelidade Virtual. Disponível em: http://www.professorflaviotartuce.blogspot.com/2008/05/consultor-jurdico-infidelidade-virtual.html. Acesso em 28.08.2011.

11. NOTAS DE RODAPÉ
1 GOMES, Orlando. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 55.
2 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 228-229.
3 SANTOS, Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos. Reparação Civil na Separação e no Divórcio. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 184.
4 SANTOS, Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos. Reparação Civil na Separação e no Divórcio. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 184.